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Reforma pode afastar jovens da Previdência: ‘Se não vou usar, por que pagar?’

Para estudiosos, efeito das mudanças será contrário ao anunciado pelo governo, com queda de contribuições e de receita. “O que está em jogo não é um ajuste fiscal, é uma mudança no modelo de sociedade”
por Vitor Nuzzi, da RBA publicado 07/02/2017 19h21, última modificação 09/02/2017 10h43

São Paulo – Para estudiosos do tema, a reforma da Previdência pretendida pelo governo Temer, sob a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, ao contrário da propaganda oficial, pode inviabilizar de vez o sistema, ao afastar atuais e possíveis futuros contribuintes. A dificuldade de acesso a aposentadorias se tornaria um fator de desestímulo. “Está se disseminando a ideia de ‘Se eu não vou usar, por que pagar?'”, afirmou hoje (7) o economista Eduardo Fagnani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), durante seminário promovido em São Paulo pelo Dieese e centrais sindicais.

Segundo ele, a possível saída de jovens da base de contribuintes e mudanças nas relações de trabalho, como a terceirização, podem levar a uma “queda brutal” da receita. Fagnani contesta a afirmação recorrente de que o sistema não se viabiliza porque há progressivamente menos pessoas na ativa e mais inativos. “A Previdência é sustentada pelo trabalhador ativo, pela sociedade e sobretudo pelo governo”, afirma, lembrando que nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) a parte do governo é de 50%, chegando a 75% na Dinamarca, o equivalente a 27% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele país.

Da mesma forma, Fagnani considera falso o argumento de déficit ou “rombo” da Previdência. “O déficit é a parte do governo que, embora prevista na Constituição, não é contabilizada”, diz o economista. Ele observa ainda que o país gasta R$ 500 bilhões por ano em juros, tem estimados outros R$ 500 bilhões em sonegação e R$ 280 milhões referentes a renúncia fiscal.

ROBERTO PARIZOTTI/CUT
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Eduardo Fagnani (à esq) e Frederico Melo, do Dieese (ao fundo), participam de seminário do Dieese

“Não há argumento para dizer que o problema fiscal brasileiro é a Previdência. A estratégia do ajuste fiscal é comprimir o gasto primário. O gasto financeiro deixa explodir”, afirma Fagnani, apontando objetivos estruturais do atual governo, que se aproveita de um golpe para impor essas alterações, que não seriam aceitos pelo eleitor. “O que está em jogo no Brasil não é um ajuste fiscal, é uma mudança no modelo de sociedade. Um programa desse tipo não passa pelo crivo popular.”

Pacto de gerações

Para o economista Frederico Melo, do Dieese, a proposta do governo rompe um “pacto de gerações”, na medida em que os jovens começam a falar em não contribuir mais para a Previdência, desencorajados pelas possíveis mudanças no acesso. Para ter direito à aposentadoria integral, por exemplo, pelas novas regras, seria preciso trabalhar ininterruptamente durante 49 anos.

Ele lembra que o envelhecimento da população é um fenômeno “inegável”, mas considera uma visão “estreita ou restrita” usar esse argumento para falar em reformas do sistema – ou, usando um termo bastante repetido durante o seminário, um “desmonte” da Previdência pública. Melo observa ainda que o principal fator de envelhecimento no Brasil é a redução do número de nascimentos. “A Previdência Social não vai ser financiada apenas pelo trabalhador ativo”, diz o economista.

O argumento, acrescenta, vale apenas para reduzir direitos, mas não para ampliar políticas para idosos, por exemplo. Melo acredita que os projetos de reformas podem levar a uma “degradação” da remuneração, comprometendo o financiamento da Previdência e do sistema de seguridade.

“Não tenho dúvida de que o objetivo implícito, oculto (da reforma), é a privatização”, afirma Fagnani. “Não é à toa que o secretário da Previdência só recebe banqueiro.” Segundo ele, o debate a ser feito é “qual o país que nós queremos e qual está sendo projetado”. A partir de março, com a comissão especial da PEC 287 implementada e em funcionamento, “vai começar uma guerra”.