O Largo do Paissandu e a resistência dos que ficaram
Sobreviventes do desabamento no centro de SP mantém acampamento vizinho ao local da tragédia, hoje marcado pela espera por solução e notícias dos desaparecidos
Quinze dias após o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, no centro de São Paulo, o entorno da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, a menos de 50 metros de onde ficava o antigo edifício, virou o novo ponto de resistência de moradores sem-teto e pessoas em situação de rua.
A tragédia deixou ao menos quatro pessoas mortas: os irmãos gêmeos Wendel e Werner da Silva Saldanha, 10 anos, Ricardo Oliveira Galvão Pinheiro, 38, e Francisco Lemos Dantas, 56. Estão na lista de desaparecidos: Selma Almeida da Silva, 40, Alexandre de Menezes, 40, Eva Barbosa Lima, 42, e Walmir Sousa Santos, 47, e Gentil Rocha de Sousa, 54. A reportagem da Ponte passou parte da noite de sexta-feira (11/5) e a madrugada de sábado (12/5) no acampamento.
O local foi imediatamente ocupado pelos desabrigados daquela madrugada de 1º de maio e, agora, passou a servir de moradia também para pessoas que habitavam a ocupação conhecida como Casa Amarela, na rua da Consolação, e de quem perambula diariamente pela região central atrás de um canto para passar a noite ou matar a fome.
O acesso da reportagem em meio as barracas demorou cerca de 3 minutos para ser concedido, já que o acampamento possui alguns “seguranças” que atuam 24 horas por dia. Segundo os moradores, a vigilância serve para bloquear possíveis arruaceiros, aproveitadores da situação e também barrar setores da imprensa que criticam os movimentos sociais envolvidos com ocupação na região central. Mesmo com a entrada permitida, a equipe da Ponte teve seu rosto fotografado por um dos homens que acompanhou de perto a visita.
As famílias que sobreviveram à tragédia se viram como podem. Crianças entre 10 e 12 anos precisam lançar mão da criatividade nas brincadeiras. Duas meninas dentro de uma roupa gigante pulavam de um lado para outro entre as barracas, improvisando uma corrida de saco. Grande parte das crianças não tem conseguido ir à escola por falta de material escolar, consumido pelo incêndio, e pela própria situação provisória em que estão vivendo.
Já era madrugada quando dois grupos de evangélicos apareceram na praça, batizada de “núcleo de resistência”. O primeiro deles, mais comedido, fez uma prece e entoou um cântico em volume baixo, em respeito ao horário de descanso. Por volta das 2h, um outro grupo, esse em maior número, visitou o local e, na empolgação das orações, acabou provocando críticas. “Podiam fazer mais baixo. Tem muita gente já dormindo. Não precisa gritar para Deus ouvir”, disse um morador.
Em meio a quase uma centena de barracas do estilo camping montadas sobre o chão de pedra portuguesa, há muita história de quem já esteve ou ainda está em ocupações, dos dilemas de viver na rua em São Paulo, além de mutirões que servem alimentos e bebidas, especialmente o chocolate quente, que tem sido muito bem vindo nos últimos dias com a queda de temperatura na cidade.
A voluntária Clarisse Goldberg conta que tem auxiliado na medida do possível no acolhimento de todos aqueles que procuram ajuda no local. Moradora da Pompeia, na zona oeste, ela afirmou que tudo que sobra do alimento servido aos sobreviventes da tragédia é redistribuído para outros moradores de rua da região. Atualmente 33 voluntários se revezam para dar apoio aos desabrigados. “O que vai estragar é repassado para outras pessoas. Já que veio com tanto carinho, não seria justo deixar estragar”, disse um voluntário.
Moradores de outros imóveis ocupados na região têm relatado aos voluntários preocupação diante de uma possível onda de desocupações. Muitos dizem que estão se sentindo forçados a sair dos locais em que moram após a tragédia. Desde a semana passada a Defesa Civil da Prefeitura de São Paulo tem feito vistoria em prédios ocupados com a justificativa de analisar a real situação estrutural dos imóveis, muitos construídos no século passado. Ao todo, de acordo com o levantamento da administração municipal, há 70 imóveis que abrigam ocupações na região central. Na terça-feira passada (8/5), a Promotoria de Habitação fez uma recomendação à prefeitura sobre como essas vistorias devem ser feitas. “Os promotores recomendaram ainda que os técnicos inspecionem não só as áreas comuns, mas também aquelas aquelas utilizadas individualmente como habitação, por indivíduos e famílias, independentemente do tipo de separação física existente entre eventuais cômodos ou moradias instaladas nos locais sob inspeção, ainda que mediante ordem judicial”, diz o documento.
‘Estamos na luta e só vamos sair juntos’
Um dos símbolos da resistência, Zélia Costa, de 62 anos, que morava havia seis anos no Wilton Paes de Almeida, contou que sua vida nos últimos anos têm sido dentro de ocupações. Uma das principais razões para isso é o preço alto do aluguel. “Morava na Sé, depois em uma ocupação na rua Florêncio de Abreu. O aluguel está caro na cidade. Espero que eu saia logo daqui [da praça], para um apartamento ou uma casa para morar”, completou.
As vítimas ainda tentam entender o que houve naquele 1° de maio. Muitos criticam os coordenadores da antiga ocupação ligado ao MLSM (Movimento de Luta Social por Moradia), Ananias Pereira e outra mulher identificada apenas como Nil. Há quem diga que, caso eles apareçam no núcleo de resistência, correm risco de linchamento. Tantos outros se queixam de um possível descaso do poder público, que não concluiu o cadastramento de todos as pessoas que habitavam o prédio para recebimento da bolsa aluguel.
No entanto, a principal reclamação dos moradores, sejam eles idosos, homens, mulheres e crianças é a inexistência de banheiros químicos na região. Segundo os novos moradores da praça, eles contam com a ajuda de comerciantes e moradores de prédios vizinhos para usarem o banheiro e tomar banho. Mas, com a chegada de mais pessoas na praça dias após a tragédia, alguns comerciantes decidiram restringir o uso do sanitário, estabelecendo a cobrança de R$ 1 pelo uso. Se ainda não bastasse a dificuldade vivida desde a tragédia, o principal ponto comercial que servia de abrigo, uma lanchonete no próprio largo do Paissandu, encerrou as atividades naquela manhã do dia 1º de maio.
Segundo os antigos moradores do Wilton Paes de Almeida, o preconceito por parte do poder público fica ainda mais evidente com a instalação de uma dezena de banheiros químicos para uso exclusivo de bombeiros, policiais militares e agentes da Defesa Civil e não para eles, que são as reais vítimas da tragédia.
“Nós estamos aqui na luta, quando sair um, todos vão sair juntos. Nós não sabemos para onde vamos. Você paga algum aluguel com R$ 400 [valor da bolsa aluguel]? Eles querem pagar durante um ano. Nós nem sabemos se vamos receber esses R$ 400 mesmo. Tem muita gente que fez cadastro e que nem morava no prédio. Nós vamos resistir, vamos lutar até a prefeitura cadastrar todo mundo e vamos esperar todas as pessoas que estavam lá ter um enterro digno. Conhecia muita gente que morava no prédio. Tem gente [sob os escombros ainda], disse, indignada, Leofabia Rodrigues da Silva, de 35 anos.
Por ora, outro medo dos moradores do largo do Paissandu é a chegada da Virada Cultural, a ser realizado no próximo fim de semana. Eles temem que a prefeitura e a Polícia Militar os tirem do local por causa da proximidade com palcos que vão receber shows variados. “Na Virada vai ter um monte de banheiro, mas, para nós, nada”, disse um morador, que preferiu não se identificar.
A reportagem contou cerca de 300 pessoas no largo, no entanto, voluntários que atuam no local dizem que o número é maior: 123 crianças e 97 mães. Durante a visita, os moradores relataram que fazem suas necessidades na própria praça, disputando espaço com ratos e baratas, que a toda hora passam em meio a nova ocupação, atraídos por restos de comida.
Crianças quando estão muito apertadas também usam a praça como banheiro. Ou tentam contar com a boa vontade e solidariedade de bares e lanchonetes na região. Os desabrigados contam que alguns vizinhos da praça, vez ou outra, passam pelo local e levam grupos de mulheres para tomar banho em suas casas. O albergue Pedroso, na região da Bela Vista, também tem sido usado para suprir essas necessidades básicas. No entanto, todos que estão na praça são unânimes em afirmar que não gostam de ir ao albergue, já que não querem serem encarados como pessoas em situação de rua e sim vítimas de uma tragédia. Além do mais, os locais de acolhida não têm espaço destinado especificamente para animais de estimação, por exemplo.
Resta a quem sobreviveu guardar a memória de quem ficou. Vítimas já identificadas da tragédia, os gêmeos Wendel e Werner, de 10 anos, foram definidos como espertos e educados. Na soleira da barraca, Zelia Costa, conta que foi uma das primeiras moradoras do edifício e que conhecia bem a mãe dos meninos Selma Almeida da Silva, de 40 anos, que está desaparecida desde o desabamento. “Os gêmeos eram muito bonitos, educados, respeitavam a todos. Andavam sempre juntos. A mãe nunca deixava eles soltos”.
“O Ricardo [Oliveira Galvão Pinheiro, 39,] – homem que voltou para buscar os gêmeos e sua mãe em meio ao incêndio – era muito bom. Me respeitava, e todos os dias me cumprimentava. Gostava de patins e era muito trabalhador”, afirmou Zelia.
Outro lado
Procurada, a prefeitura de São Paulo, sob administração de Bruno Covas (PSDB), informou que o prefeito em exercício Milton Leite (DEM) concederia uma entrevista coletiva para falar sobre o incêndio e desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no entanto, a nota não respondeu aos seguintes questionamentos:
Gostaríamos de saber os novos passos da prefeitura em relação aos moradores do prédio que desabou no largo do Paissandu.
A gestão Bruno Covas vai instalar banheiro químico no local para uso dos moradores?
Com o término do trabalho dos bombeiros, qual será o novo procedimento no local?
A prefeitura realizou o cadastro de todas as famílias que ali vivem?
Com a chegada do frio a prefeitura vai tomar alguma medida especial?
Quais atuações da prefeitura com as cerca de 100 crianças que estão vivendo na praça? Estão sendo acompanhas pelo Conselho Tutelar?
A cidade vai abrigar a Virada Cultura no fim de semana, sendo que, nos últimos anos, havia palcos na região. A prefeitura pretende remover as famílias da praça em virtude do evento? Como será realizado o evento na região?
Durante a visita da reportagem na praça pode-se notar a infestação de ratos e ratazanas no logradouro. A prefeitura dedetizou o local após o incêndio e desabamento do prédio? Qual medida será tomada para contornar o problema?
Por Paulo Eduardo Dias
Fonte: Ponte Jornalismo