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‘No Brasil, quem luta por direitos humanos é tratado no fuzil’

Debora da Silva, uma das fundadoras do Mães de Maio, antecipa estudo feito com Unifesp e Universidade de Oxford sobre vítimas dos Crimes de Maio: jovens negros, pobres e periféricos

Foto por Maria Teresa Cruz/Ponte Jornalismo

As falas incisivas de Debora Maria da Silva são referência quando tratamos de luta por direitos no Brasil. Ela fundou com outras três mulheres o movimento Mães de Maio, em busca de respostas e Justiça pela morte dos filhos, filhas, netos, genros e quem mais se foi nos ataques de maio de 2006, quando mais de 500 pessoas foram assassinadas.

Os homicídios receberam o nome de Crimes de Maios e viraram tema de estudo liderado pelas Mães junto da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Universidade de Oxford, da Inglaterra. O levantamento completo foi apresentando na tarde da segunda-feira (14/5), em São Paulo.

A intenção era simples: descobrir quantas pessoas morreram entre 12 e 20 de maio de 2006, semana em que os ataques ocorreram, na Baixada Santista, conclusão nunca obtida pelo Estado quase 12 anos após as mortes em série. Segundo os dados oficiais, 493 pessoas foram mortas na resposta do Estado no enfrentamento ao PCC (Primeiro Comando da Capital). O estudo determinou que dessas vítimas, 60 morreram somente na Baixada Santista.

O que interessa dessa pesquisa é o perfil, por isso entramos de cabeça. É uma pesquisa verdadeira, não ficou só na academia, ela deveria ser de pessoas humanizadas, não de profissionais”, explica. “O primeiro contato é o abraço. O abraço é um colo que você não tem noção. Depois, vamos dando segurança para aquela mãe falar sua história, a do menino, que era a que mais interessava para nós”, explica Debora. “Antes as vítimas eram suspeitos. Agora, ela tem nome, rosto, história”, avalia.

O perfil de quem morreu naqueles ataques foi traçado. “O banco de dados com o mapeamento mostra que são jovens, negros moradores da periferia, de baixa renda, o que reproduz de alguma forma o perfil de vítimas de violência no Brasil em diferentes etapas. Foram 60 casos de registros, 53 de civis 7 das forças de segurança, em torno de 85% composto por homens entre 19 e 29 anos e superposição entre favelas”, explica o pesquisador Javier Amadeo, doutor e coordenador da pesquisa.

Para ele, esta pesquisa na Baixada Santista conseguiu identificar 10% do total de mortos nos Crimes de Maio em São Paulo e o objetivo é ampliar para o Estado inteiro. “Temos 90% de casos que ninguém sabe o que aconteceu, quem foi assassinado, em quais circunstâncias, quem da família está vivo ou foi afetado, se outro alguém da família também foi assassinado… A falta de informação é um mecanismo fundamental no esquecimento dos casos, tanto que o Estado não reconheceu oficialmente os Crimes de Maio até hoje”, analisa, pondo como “decisiva” a participação das Mães de Maio nos trabalhos.

Passados quase 12 anos, completados no sábado (12/5) e marcado por protesto em Santos, nem todas as mães foram encontradas ao longo da pesquisa. Parte delas se mudou, outras nem sequer o endereço foi descoberto, mas muitas haviam morrido sem ver a justiça ser feita. “Os crimes de maio não têm como ter resultado no Brasil, não confio no Estado, nas autoridades”, lamenta Débora Silva, uma das fundadoras do Mães de Maio. “Vi regiões de extrema pobreza. Procurávamos pelo nome da mãe e da vítima e muitos parentes diziam que a mãe já morreu. Aquilo mexeu muito comigo. Tinha vez que eu chegava arrasada em casa”.

O luto ainda presente

O tom de voz incisivo de Debora muda quando trata da pesquisa sobre as mortes. Para ela, é impossível não falar do assunto sem lembrar da parceira Vera Lúcia Gonzaga dos Santos, igualmente fundadora do movimento e considerada uma irmã por ela. No dia 3 deste mês, Vera Lúcia foi encontrada morta em sua casa.

“A minha heroína era viva, não quero que ninguém reconheça a luta do movimento quando as mães morreram, como foi com a Vera, mas sim respeite as mães”, conta a mulher porreta, como se define, em conversa com a Ponte. O ponto fraco não é à toa. Vera Lúcia era sua irmã, inseparável e não se erra ao considerá-la mais uma vítima dos crimes daquele mês, mesmo passados 12 anos. E este fim para quem vive pelos direitos humanos é visto por Debora como comum no país.

Debora (à esq) ao lado de Vera Lúcia | Foto: Arquivo pessoal

Quando estive em Bogotá em audiência com a Corte Interamericana, eu disse que no Brasil os lutadores por direitos humanos são tratados na ponta do fuzil”, analisa. A fala ocorreu em 13 de março, exatamente um dia antes do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL-RJ) e do motorista Anderson Gomes. “A morte da Marielle é matar um pouco de nós, atinge todas as mulheres que lutam por direitos. Ela era uma filha nossa. Não me chamava de Debora, era ‘mãe’”, conta.

A ligação de Marielle com as Mães acontece justamente pela luta e a dificuldade em obter resultados. Pior: como as pessoas adoecem e são impactadas pela falta de resposta. Um estudo do movimento com a Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e a Universidade de Oxford, da Inglaterra, procurou as mães de pessoas mortas no maio sangrento. Debora esteve entre as pesquisadoras como forma de determinar o estilo do trabalho.

 

Por Athur Stabile

Fonte: Ponte Jornalismo