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Fotos de suspeitos vazadas de delegacias de SP vão parar no Whatsapp

Imagens circularam em Whatsapp do programa ‘Vigilância Solidária’, criado pela PM; para especialistas, prática é crime e pode estimular linchamentos

Foto que circulou no Whatsapp mostra suspeito de crime em delegacia

“Acabei de receber as fotos dos ladrões que estão roubando aqui na zona norte, vamos ficar atentos estão todos nas ruas e todos têm passagem na polícia.” A mensagem, acompanhada por imagens de suspeitos de furto fotografados em delegacias da cidade de São Paulo, vem sendo disseminada em grupos do aplicativo Whatsapp. E não qualquer um. Pelo menos um dos grupos que divulgou as imagens faz parte do programa Vizinhança Solidária, da Polícia Militar.

A divulgação é irregular, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. Para especialistas, é uma prática que estimula linchamentos e pode ser considerada crime.

Nas fotos, suspeitos aparecem segurando cartazes com seus dados pessoais, a data em que foram detidos e artigo do Código Penal em que foram enquadrados: 155 (furto), quase todos, e uma jovem por 180 (receptação). As delegacias mencionadas nos cartazes são a 4ª Delegacia de Polícia de Investigações sobre Furtos e Roubos a Condomínios e Residências, do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais), na zona norte, e o 2º DP, no Bom Retiro, na região central. As datas mencionadas vão de 2016 até fevereiro deste ano.

Incitação ao crime

“A exibição de fotos pode incitar violências, agressões e linchamentos contra suspeitos de crimes”, denuncia o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Condepe (Conselho Estadual de Direitos da Pessoa Humana). Segundo Alves, quem dissemina essas imagens pode ser enquadrado no crime de incitação a prática de crime, punida com até seis meses de detenção, e viola o direito de imagem das pessoas retratadas. “Mesmo quem está sendo acusado de algum crime tem seu direito de imagem. Até porque pode ser também um inocente, que pode estar sofrendo acusação injusta”, afirma. O conselheiro também critica o vazamento de imagens tiradas em delegacias: “Não cabe à polícia compartilhar informações, fotos e procedimentos internos dos órgãos policiais e judiciais para a população”.

Foto de Whatsapp vazada mostra suspeito exibindo cartaz com dados em delegacia
Foto que circulou no Whatsapp mostra suspeita de crime em delegacia

O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, considera “temerário” disseminar esse tipo de imagem. “Eu conheço o programa Vizinhança Solidária. Acho positivo a PM estabelecer relação com a comunidade. Não saberia dizer se é legal ou não distribuir fotos de suspeitos de roubos ou outros crimes,  vou analisar. Mas em primeira analise acho temerário porque pode colocar as pessoas em risco”, disse à Ponte Jornalismo.

Vizinhança solidária

A reportagem entrou em contato com uma pessoa que divulgou as imagens dos suspeitos em um grupo de Whatsapp ligado ao projeto Vizinhança Solidária de Santana, bairro de classe média na zona norte da capital. “Foi um amigo que compartilhou e solicitou que compartilhasse”, disse. Ela deixou claro, contudo, que divulgação de imagens teria o apoio da Polícia Militar: “Sobre aquela dúvida que você perguntou para mim sobre a divulgação das fotos, eu, conversando com o capitão Isaac Jurado, da Polícia Militar, que está à frente do trabalho Vizinhança Solidária, aqui na zona norte, ele pediu que o senhor o procure na companhia da Polícia Militar, que ele vai explicar certinho para você como funciona o programa Vizinhança Solidária”, disse à Ponte Jornalismo.

O programa Vizinhança Solidária foi criada pela PM em 2009, nos bairros mais ricos da capital. Nasceu no Itaim Bibi e depois passou para os Jardins Paulista, Paulistano, Europa e América. Segundo a PM, busca “promover prevenção de delitos e proximidade com a comunidade local”, por meio da aproximação entre os moradores e os policiais militares. O uso de grupos de Whatsapp faz parte das estratégias de construção do programa, segundo texto publicado no portal do governo Geraldo Alckmin (PSDB).

Foto de Whatsapp vazada mostra suspeito exibindo cartaz com dados em delegacia
Foto que circulou no Whatsapp mostra suspeito de crime em delegacia

Em Santana, bairro de classe média na zona norte, o Vizinhança Solidária chegou no ano passado, a partir de palestras realizadas em condomínios pelo capitão Isaac Duarte Jurado, responsável pelo programa no bairro. Nessas reuniões, o capitão teria exibido vídeos com imagens de pessoas praticando furtos para alertar moradores dos riscos e como se proteger deles. Na visão do oficial, um dos grandes problemas do bairro estava em um escadão na rua Salete, frequentado por jovens que fumam maconha. “Gente de bem não fica na porta de casa conversando, esse tempo já passou”, teria dito o capitão. O protetor de tela do seu computador exibia a frase “Quem poupa o lobo sacrifica as ovelhas (Victor Hugo)”.

Outro lado

A Secretaria da Segurança Pública afirma que não autorizou a disseminação das fotos de suspeitos. “A Polícia Civil informa que não autoriza a divulgação de fotos de suspeitos ou de detentos a não ser por canais da instituição e esclarece que está disponível para apurar qualquer denúncia de possíveis desvios cometidos por policiais civis”, respondeu a assessoria de imprensa da SSP.

Com o Deic, departamento da Polícia Civil onde foram tiradas parte das fotos que circularam no grupo, a conversa foi mais escorregadia. Em contato via Whatsapp, a reportagem fez a mesma pergunta quatro vezes para o assessor de imprensa do departamento, Maurício Rodrigues, sem conseguir uma resposta.

Ponte – Há grupos de Whatsapp ligados ao programa Vizinhança Solidária, da PM, que estão distribuindo imagens de suspeitos fotografados no Deic. Pergunto: essas imagens estão sendo distribuídos com o conhecimento e a autorização do Deic?

Maurício Rodrigues – Desconheço. Exatamente qual é o questionamento?

Ponte – Essas imagens estão sendo distribuídos em grupos de Whatsapp do Vizinhança Solidária com o conhecimento e a autorização do Deic?

Rodrigues – Algumas dessas fotos não são do Deic.

Ponte – Entendi. Obrigado pela informação. Mas aquelas em que aparece escrito DEIC 4a DISCCPAT são do Deic, imagino.

Maurício Rodrigues – Imagino que sim. Que foram feitas quando essas pessoas acabaram identificadas e indiciadas por furto ou receptação. Mas estou verificando se existe a cessão das fotos.

Ponte – Certo.

Rodrigues – Mas qual é exatamente o questionamento?

Ponte – Essas imagens estão sendo distribuídos em grupos de Whatsapp do Vizinhança Solidária com o conhecimento e a autorização do Deic?

Maurício Rodrigues – Isso você já perguntou. Qual é o real objetivo?

Ponte – Saber se essas imagens estão sendo distribuídas com o conhecimento e a autorização do Deic.

Rodrigues – […] (não respondeu mais)

 

Por Fausto Salvatori

Fonte: Ponte Jornalismo