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Distritão e Reforma Política: Pior do que tá, fica!

Por Renata Mielli

Em 2010, o palhaço Tiririca saiu candidato a deputado federal em São Paulo. Numa campanha claramente contra a política, Francisco Everardo Oliveira Silva dizia nos programas eleitorais que não fazia a menor ideia das atribuições de um deputado federal, e construiu sua campanha sob o slogan “Pior que tá não fica!”. Foi o deputado mais votado de todo o Brasil, com 1,3 milhões de votos. Em 2014, se reelegeu com 1,016 milhões de votos.

Com uma carreira na televisão, que lhe garantiu exposição, Tiririca navegou na onda contra a política e abocanhou os votos de “protesto” contra os políticos. Acertou na tática eleitoral, mas errou feio no prognóstico: Pior do que está pode ficar sim, e muito.

Quando olhamos as votações na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, quando abrimos os jornais, ligamos o rádio e a televisão ou passeamos pelas redes sociais e outras páginas na internet, a impressão que dá é que a situação está tão ruim que não pode piorar. No dia seguinte, alguma coisa nos mostra que, pelo visto, o poço não tem fundo ou o fundo ainda parece estar bem longe.

As mudanças nas regras do jogo do processo eleitoral brasileiro, que estão sendo aprovadas no Congresso, comprovam isso. O que estão chamando de minirreforma política eu chamaria na verdade de deforma eleitoral.

O que os deputados da base do governo querem aprovar é a mudança na forma da eleição dos próprios deputados federais.

Breve descrição de como são eleitos, hoje, os deputados

Atualmente a bancada de parlamentares é eleita proporcionalmente, ou seja, a definição dos eleitos é uma combinação entre os mais votados individualmente e os partidos que receberam a maior cesta de votos (coeficiente eleitoral).

Para realizar suas campanhas, partidos políticos e candidatos buscam recursos basicamente a partir de apoios privados, massivamente de empresas. Algumas empresas – principalmente as grandes e que têm muito interesse em ter uma boa representação na Câmara – utilizam a tática de financiar candidatos em vários estados e dos mais variados partidos políticos. Os partidos, então, passaram a buscar puxadores de voto e constituir um robusto caixa eleitoral para enfrentar o que talvez seja uma das disputas eleitorais mais caras do mundo. Não há qualquer juízo de valor nesta sintética descrição de como era a regra do jogo até a eleição de 2014.

De volta ao passado

Há muitos anos que os partidos de esquerda e os movimentos sociais reivindicam a realização de uma profunda Reforma Política no Brasil. Reforma esta que não enfrentasse apenas problemas e distorções existentes no processo eleitoral, como o fim do financiamento privado das campanhas, mas que englobasse uma discussão mais ampla sobre mecanismos de fortalecimento dos partidos políticos e criação de instrumentos que combinassem a democracia representativa com a democracia participativa.

Mas os partidos de direita e a elite brasileira nunca permitiram a realização desta discussão. A mídia monopolista sempre desconstruiu as propostas centrais de Reforma Política defendida pelos campos populares. O mantra da direita e da mídia sobre a Reforma Política é dizer que o financiamento público é um escândalo, porque tira dinheiro da Saúde e Educação para sustentar os partidos políticos, é defender a redução dos partidos – quanto menos partidos mais democrático –, é defender o fim das coligações eleitorais, é defender a criação da cláusula de barreira (um porcentual mínimo que cada partido precisa alcançar em nível nacional para ter direito a representação parlamentar e fundo partidário).

Um interessante exercício para entender as posições da elite de direita conservadora é dar uma olhada nos muitos editoriais já publicados sobre o tema. Taí um bom projeto de mestrado, tem trabalho para mais de ano fazer esse estudo de forma abrangente. Como não é este o nosso objetivo, vou resgatar apenas os mais recentes e de apenas um jornal, O Estado de S. Paulo, talvez o mais tradicional diário conservador de direita brasileiro. Vale dizer que, num momento em que boa parte dos meios de comunicação já desembarcaram do apoio inconteste ao golpista Temer, O Estadão continua firme e forte na trincheira em defesa do governo.

Numa rápida busca, de 01 de julho até 16 de agosto, foram 10 editoriais dedicados à Reforma Política. (Lista ao final do texto). Entre os principais alvos estão o financiamento público de campanha e os partidos políticos.

A impressão que ficamos ao ler estes editoriais é que se a direita pudesse, aboliria os partidos políticos.

Aliás, a criminalização da política chega ao seu ápice no editorial de 16/07 – Quem financia a política. A partir do questionamento da proposta de criação do Fundo Especial para o Financiamento da Democracia, que tramita entre as proposições da Reforma Política para reunir recursos para financiar as campanhas eleitorais, já que o STF proibiu o financiamento empresarial, o Estadão abre sua metralhadora contra os partidos políticos e defende que “o Congresso deveria aproveitar a tramitação da reforma política para rever o sistema de financiamento dos partidos com recursos públicos”. E descreve porque o Estado não deve “arcar com a manutenção dos partidos políticos”: abusiva utilização de recursos de toda a população para causas que não são de todos; viola o caráter de isenção ideológica do Estado; os partidos se distanciam do eleitor; os partidos são organizações privadas e devem ser sustentados por seus filiados.

A esta visão se somam outras, que não estão presentes nos editoriais, mas que já são amplamente conhecidas: a ideia de que as pessoas que exercem cargos políticos não deveriam receber um salário para isso, a de que os gabinetes não deveriam ter verbas, que critica a existência dos carros oficiais e toda a estrutura que garante a existência de um mandato – desde o vereador até a Presidência da República. Bonito mesmo, é ver milionário doando o seu salário de prefeito para instituições de caridade e vestindo roupa de gari.

No fundo, o que persiste é o desejo da elite de se manter proprietária da atividade política, como nos bons e democráticos tempos do voto censitário. A ideia de que os pobres não foram feitos para a política. Mas, se quiserem entrar para este grupo seleto, que o façam batendo de porta em porta para conversar com os eleitores (coisa para lá de importante, mas que sozinha não elege nem o porteiro), enquanto os ricos aparecem na televisão e viajam de helicóptero para participar de jantares com empresários.

Ora, o que a elite quer é elitizar a política, com o perdão do trocadilho.

Distritão, abominado até pela mídia

E ao que tudo indica, estão bem próximos disso, com a aprovação do Distritão. Se esta proposta for aprovada, a eleição parlamentar deixará de ser proporcional e passará a ser majoritária. O que isto quer dizer: os mais votados em cada distrito (neste caso em cada Estado da Federação) são eleitos.

Mas o senso comum pode argumentar: isso não é bom, não é o certo, quem tem mais voto é o eleito? Não, não é o melhor, é na verdade uma aberração, adotada por apenas três países em todo o mundo para eleger o parlamento: o Afeganistão, a Jordânia e Vanuatu.

Este método eleitoral é tão ruim, que mesmo os meios de comunicação estão criticando e fazendo campanha contra a sua aprovação. Até o Estadãose insurgiu contra o distritão.

E para não dizer que eu só falo mal, vou neste caso concordar com os argumentos listados no Editorial de 11/08 – A quem interessa o ‘distritão’:  “Ganham as personalidades do mundo do entretenimento e os oligarcas da política, cujos nomes são facilmente reconhecidos pelos eleitores; perdem, evidentemente, os partidos, cuja função deixa de ser a defesa de uma ideia de País, passando a funcionar como fornecedor de palanques e santinhos a quem por isso se interessar. O “distritão” é uma maneira nada sutil de garantir a reeleição dos atuais deputados, especialmente dos chefes partidários. Além de prejudicar a necessária renovação da Câmara, esse sistema avilta a democracia representativa, pois os eleitos não representam nada senão eles mesmos. Seria a consagração definitiva da mediocridade”.

Ou seja, o que o distritão reforça é a eleição dos chamados “não políticos”, que vão desde Tiririca até João Dória e os medalhões da velha política, como Jucás, Sarneys, e semelhantes.

Mas a pressão está sendo tanta e vinda de tantos lados – inclusive das linhas aliadas – que talvez o governo não reúna os 308 votos necessários para aprovar o distritão.

Tá ruim? Pode piorar ainda mais…

Já está sendo ensaiada nas trincheiras golpistas a proposta do parlamentarismo. Como a direita está dividida politicamente para a disputa eleitoral de 2018, e com o fantasma da candidatura de Lula rondando o Palácio do Planalto, surge na manga a alternativa parlamentarista. Alguns caciques do PSDB já falam abertamente nesta saída, que também foi afagada em editorial do Estadão no último dia 14/08 – A vez do Parlamentarismo.

Agora imagine, um congresso eleito por meio do distritão, cuja tendência é ter uma composição ainda pior do que o atual, elegendo um primeiro ministro.

Estadão afirma que a atual discussão sobre a adoção do parlamentarismo, deve necessariamente “vir acompanhada de ampla reforma no sistema de representação partidária”. Pelo que mostrei acima, da para ter uma pequena ideia do que o Estadão defende para os partidos políticos.

Neste cenário de terra arrasada, a bandeira das Diretas Já! é radicalmente democrática e precisa vir acompanhada da construção de um amplo campo democrático, popular em defesa da nação e da democracia. Se a gente não se mexer, pode piorar ainda mais…

Fonte: Mídia Ninja