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Deputado campeão de desmatamento, filho de Kátia Abreu legisla em defesa dos negócios da família

Irajá Abreu criou projeto de lei que beneficia não apenas o agronegócio, mas a sua própria fazenda, que foi multada em R$ 130 mil pelo Ibama

Filho da senadora Kátia Abreu, o deputado Irajá Abreu elaborou projeto de lei que acaba com o licenciamento ambiental e que beneficia os negócios da família

Em 2010, quando ainda era pré-candidato, Irajá foi autuado pelo Ibama por desmatar vegetação de preservação permanente, sem permissão ou licença ambiental, em área equivalente a 75 campos de futebol. O crime ambiental aconteceu na Fazenda Aliança, que Irajá herdou da mãe, e que se dedica ao cultivo eucalipto, no interior de Tocantins. A multa aplicada foi de R$ 120 mil. A destruição da vegetação foi feita para abrir terreno para novas plantações de eucalipto, de acordo com o MST do Tocantins.

Eleito deputado, Irajá tomou providências como parlamentar que atendiam de modo explícito aos seus problemas como empresário. Mal tomou posse como deputado federal, em 2011, e elaborou um projeto de lei que garantiria facilidades às atividades da Fazenda Aliança e de todos os empresários rurais que praticam crimes ambientais. O Projeto de Lei 2163/2011, de sua autoria, propõe o fim dos estudos de impacto e do licenciamento ambiental para empreendimentos agropecuários, florestais ou relacionados ao reflorestamento.

O deputado, membro da bancada ruralista  — a Frente Parlamentar Agropecuária — argumenta o “custo exorbitante” do processo de licenciamento, “capaz de aniquilar a produção agropecuária” para justificar a elaboração do projeto de lei.

Irajá está entre os 25 deputados federais mais ricos: em 2014, o ruralista declarou ao Tribunal Superior Eleitoral patrimônio de R$ 5,7 milhões (superior ao da mãe, de R$ 4,1 milhões), dos quais R$ 2,9 milhões referentes à sua parte da Fazenda Aliança.

“Esse projeto de lei reflete uma demanda antiga da bancada ruralista, que pretende a dispensa geral e irrestrita do licenciamento ambiental para todas essas atividades ligadas ao agronegócio”, analisa Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). “É grave, porque os grandes desmatadores da Amazônia são a agropecuária e a agricultura”.

A dispensa do licenciamento ambiental foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que, em 2001, julgou um processo com conteúdo semelhante, continua Guetta. Além de facilitar a prática de crimes ambientais, o projeto poderia anistiar algumas multas aplicadas pelo Ibama — especialmente aquelas relacionadas à ausência do licenciamento ambiental.

Irajá Abreu informou, por email, que não atuou em benefício próprio e que o PL 2163/11 “tem como o objetivo preservar, melhorar e recuperar a qualidade ambiental nas propriedades rurais de todo o país.” Sobre as multas aplicadas pelo Ibama pelos crimes ambientais, o deputado informou que “os autos de infração [do Ibama] são ilegais e arbitrários e estão sendo contestados no âmbito judicial”.

A atuação legislativa em benefício próprio ou em defesa de interesses de financiadores de campanha não é exclusividade do herdeiro da família Abreu. Em outras reportagens publicadas com dados do projeto Ruralômetro, a Repórter Brasil mostrou que o deputado Newton Cardoso Júnior (MDB-MG) também elaborou projeto de lei que beneficia os negócios familiares e que Adilson Sachetti (PRB-MT) e Antônio Balhmann (PDT-CE) elaboraram medidas que servem aos interesses de seus financiadores de campanha.

Proposta de lei ou retaliação?

Além deste projeto, Abreu também é autor de outras propostas polêmicas. Dados do Ruralômetro — ferramenta desenvolvida pela Repórter Brasil que avalia se a atuação dos deputados federais é prejudicial ao meio ambiente, povos indígenas e trabalhadores rurais — mostram que o político é autor de pelo menos outros três projetos relevantes para o setor. Um deles, que cria incentivos fiscais para quem investe em energia solar, foi classificado como favorável ao meio ambiente pelo ISA. Os outros dois, no entanto, foram considerados desfavoráveis à agenda socioambiental pelo mesmo instituto e pela Comissão Pastoral da Terra.

Uma das propostas do ruralista pode ser interpretado como vingança ao Movimento Sem Terra. Em 2013, um grupo de mulheres ligadas ao movimento ocupou a Fazenda Aliança. O objetivo era protestar contra o desmatamento ilegal feito por Irajá nas suas fazendas no Tocantins. A ocupação gerou comentários furiosos de sua mãe, que na época era presidente da Confederação Nacional de Agricultura. “Esta invasão é um ato de retaliação contra minha atuação democrática como senadora e líder do setor produtivo rural, em defesa do Estado de Direito e dos direitos fundamentais, neste caso traduzido no direito de propriedade”, disse a senadora Kátia Abreu sobre o episódio. “Não vão me amedrontar. Não vou recuar”.

A ex-ministra da Agricultura do governo Dilma foi eleita ‘Miss Desmatadora’ pelo Greenpeace, em 2009; filho segue mesmo legado

De fato, os Abreu não recuaram. Dois anos após o episódio, o filho, Irajá, elaborou um projeto de lei (PL 1201/2015) que cria um obstáculo para os camponeses que lutam por terra. A proposta, ainda não votada, diz que os beneficiários do programa de reforma agrária precisam ter domicílio eleitoral na mesma cidade do assentamento.

Na prática, exigir que sejam assentados apenas aqueles que vivem e votam na cidade do assentamento significa limitar a luta por terra, avalia o geógrafo da Universidade Federal da Paraíba e assessor da Comissão Pastoral da Terra, Marco Mitidiero. “O camponês brasileiro é desenraizado, é migrante. Nos assentamentos, há muita gente de outros Estados. A bancada ruralista, ciente desta realidade, tenta enfraquecer a luta por terra e o programa de reforma agrária”, afirma.

A febre ruralista

O mesmo comportamento pode ser observado nos votos do deputado. Ele foi favorável à MP da Grilagem, medida que, segundo ambientalistas, pode aumentar os conflitos no campo e ampliar o desmatamento ao legalizar casos em que fazendeiros fraudam a posse da terra. Abreu também votou ‘sim’ à reforma trabalhista — que pode diminuir direitos de trabalhadores rurais, caso do recebimento pelas horas de deslocamento até o local de trabalho, eliminado com a nova lei. Abreu também votou de modo favorável à medida que acaba com a exigência do símbolo de alimentos transgênicos nos rótulos.

Por conta das suas propostas e votos na última legislatura, Abreu foi avaliado no Ruralômetro como tendo atuação desfavorável à questões socioambientais. Na ferramenta, os deputados receberam uma pontuação que faz analogia com a escala de temperatura do corpo humano. Quanto mais desfavoráveis à questão socioambiental, maior a temperatura do parlamentar. Abreu foi um dos pior pontuados. Com 40,5°C, ele é um dos parlamentares que se destacam pela “febre ruralista”.

Em seu segundo mandato, Irajá é o campeão de desmatamento da Câmara dos Deputados, de acordo com levantamento feito pelo Ruralômetro com base em dados do Ibama

O Ruralômetro mostra ainda que o deputado não apenas foi autuado por desmatamento, mas também recebeu R$ 361 mil em doações de campanha, em 2014, de empresas desmatadoras ou autuadas por infrações ambientais.

Segundo o parlamentar, “todas as doações feitas para as minhas campanhas eleitorais de 2010 e 2014 foram realizadas dentro da lei, devidamente declaradas e aprovadas pelo TRE/TO”. Apesar de não ser proibido por lei na época, o financiamento de campanhas pode ser um indicativo dos interesses e dos setores defendidos pelo deputado.

Nem duas multas por desmatamento nem ter sido eleito deputado federal. Nada freou Irajá. Em 2014, ele foi multado pela terceira vez, em R$ 10 mil, por não cumprir determinação da Ibama. O ‘campeão de desmatamento’ da Câmara dos Deputados deixou de  fazer um plantio de reflorestamento de eucalipto — medida que deveria ter sido tomada para compensar o desmatamento pelo qual fora flagrado.

Por Ana Magalhães

Fonte: Repórter Brasil