Crianças apartadas dos pais e os direitos humanos seletivos dos EUA
País deixou Conselho da ONU em meio à crise que separou 2 mil crianças de famílias que tentavam entrar nos EUA. Líderes internacionais reagiram
A saída do Estados Unidos do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) na terça-feira 19 – que alegaram “preconceito crônico contra Israel” – coincide com uma grave crise na área para o governo Trump: a separação de famílias que tentam atravessar a fronteira do país.
Em abril o procurador-geral dos EUA, Jeff Sessions, anunciou a política de tolerância zero do governo federal, medida prevê que todos os detidos ao tentarem cruzar ilegalmente a fronteira, incluindo requerentes de refúgio, sejam indiciados. Desde então, cerca de duas mil crianças foram separadas de suas famílias, gerando indignação e críticas de ambos os partidos norte-americanos – Republicano e Democrata – e de líderes internacionais.
A crise se agravou nesta semana, quando imagens das condições em que essa crianças estão sendo mantidas vieram a público. “Nada menos que uma prisão”, descreveu o congressista democrata Peter Welch, no Twitter, um centro de detenção no Texas (EUA). O comentário foi feito após uma visita do parlamentar juntamente com outros deputados e alguns jornalistas.
A instalação do Texas é conhecida como Ursula, embora os imigrantes a chamem de La Perrera, ou o canil, referindo-se às gaiolas instaladas no local que, além de imigrantes adultos, agora também são usadas para albergar crianças separadas de seus pais depois de tentar atravessar ilegalmente a fronteira.
O deputado democrata Ben Ray Lujan, do Novo México, disse que o local no qual a maioria dessas crianças se encontra era um antigo hospital convertido em alojamento, com quartos divididos por faixa etária. Havia um pequeno quarto para os mais novos, com duas cadeiras altas, onde dois bebês estavam sentados, usando roupas iguais.
Outro grupo de legisladores visitou, no domingo 17, um antigo depósito em McAllen, também no Texas, onde centenas delas são mantidas em jaulas de metal. Uma das celas no local tinha 20 menores. Mais de 1,1 mil pessoas estavam dentro da instalação, ampla e escura, dividida em alas para crianças desacompanhadas, adultos sozinhos e pais e mães com filhos.
Mas as críticas não vêm apenas da oposição democrata. A ex-primeira dama Michele Obama, alinhada aos Democratas, retuitou outra ex-primeira dama, Laura Busch, esposa do republicano George W. Bush. “Ás vezes a verdade transcende partidos”, disse Michele ao compartilhar a indignação de Laura, “Esta política de tolerância zero é cruel. É imoral. Parte meu coração”.
Sometimes truth transcends party. https://t.co/TeFM7NmNzU
— Michelle Obama (@MichelleObama) June 18, 2018
A atual primeira-dama, Melania Trump, que não costuma fazer declarações públicas, se pronunciou sobre o caso através de sua assessoria. Sua diretora de comunicações, Stephanie Grisham, disse que a primeira-dama detesta ver crianças separadas de suas famílias. “Temos que ser um país que segue as leis, mas também um país governado com o coração”, disse Melania, citada pela porta-voz.
No Vale do Rio Grande, o corredor mais movimentado para os que tentam atravessar a fronteira ilegalmente, funcionários da Patrulha dizem que devem reprimir os imigrantes e separar os adultos das crianças para desencorajar que outras pessoas tentem entrar no país sem permissão.
Como se as imagens e o relato de parlamentares já não fossem o suficiente para denunciar o que ocorre na fronteira, agora um áudio que parece captar as vozes de crianças pequenas falando em espanhol e chamando por seus pais em uma instalação de imigração nos Estados Unidos é o centro das atenções no crescente tumulto causado pelas separações de famílias de imigrantes.
“Papai! Papai!”, diz uma criança na gravação, chorando. Em outro momento, muitas crianças são ouvidas desesperadas e um dos guardas diz, em espanhol e em tom de zombaria, que as lamentações mais parecem uma sinfonia, “só falta um maestro”.
O áudio foi inicialmente divulgado pela organização sem fins lucrativos ProPublica. A advogada de direitos Humanos Jennifer Harbury disse ter recebido a fita com a gravação feita na semana passada, mas não forneceu detalhes do local onde o áudio foi captado.
Com o aumento da pressão, o presidente Donald Trump, determinou que os parlamentares do seu partido encontrem uma solução. Horas após ter defendido a legalidade de sua política que separa famílias de imigrantes ilegais.
O representante republicano Mario Díaz Balart declarou que a prioridade é acabar com a separação dos pais de seus filhos após as detenções de imigrantes ilegais na fronteira, mas que nas próximas semanas serão apreciados também projetos que incluem iniciativas como o muro na fronteira com o México, a proteção dos chamados dreamers (imigrantes que entraram no país ainda crianças) e modificações nos programas de imigração, como o fim da loteria de vistos.
Repercussão internacional
A crise migratória dos EUA já repercute internacionalmente. “Donald Trump não é o líder moral do planeta e não pode falar em nome do mundo livre”, afirmou o secretário-geral do Conselho da Europa, Thorbjørn Jagland, reagindo à questão da separação de crianças migrantes de seus pais. “Tudo o que faz o exclui do papel que os presidentes norte-americanos sempre tiveram. Ele não pode mais falar em nome do que se chama mundo livre”, acrescentou.
Indagado sobre a saída dos Estados Unidos Conselho de Direitos Humanos da ONU (CDH), Jagland também afirmou que não era algo inesperado. “É só um exemplo a mais que demonstra que ele não quer tratados nem organizações internacionais baseadas em cooperação”, explicou.
A primeira-ministra britânica Theresa May classificou perturbadoras as imagens de crianças imigrantes separadas de seus pais ao chegar aos Estados Unidos.
“As imagens da crianças detidas no que parecem ser jaulas são profundamente perturbadoras, é um erro, não é algo com que estejamos de acordo”, afirmou May ante o Parlamento, quando foi indagada sobre a possibilidade de cancelar a visita de Trump ao Reino Unido em 13 de julho em função dessa situação. A premiê, no entanto, afirmou que o convite a Trump continua de pé.
O governo da Guatemala acusou os EUA de violar os direitos humanos dos imigrantes com sua política de tolerância zero. O país “lamenta, condena e rechaça a política migratória impulsionada pelo governo dos Estados Unidos por considerar que viola os direitos humanos e destrói a unidade familiar”, assinalou a Chancelaria guatemalteca em comunicado.
Por Dimalice Nunes, com informações da AFP
Fonte: Carta Capital