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Copa e Refugiados | Europa nega abrigo, mas comemora gols dos filhos de imigrantes

Entre as equipes do continente ainda no Mundial, todas têm em seus elencos grande número de jogadores de ascendência não europeia

“Quando as coisas vão bem, eles me chamam de atacante belga. Quando não correm bem, sou o atacante belga descendente de congoleses”, conta Romelu Lukaku, da seleção da Bélgica | Foto por Benjamin Cremel/AF

A Bélgica deve muito a seus imigrantes a campanha do time na Copa do Mundo. Só o atacante Romelu Lukaku, um dos cinco jogadores da equipe com ascendência congolesa, colocou quatro gols na conta das vitórias belgas – e é o artilheiro da seleção até aqui. Maourane Fellaini marcou o gol de empate contra o Japão e Nacer Chadli, nos acréscimos, garantiu a passagem da seleção às quartas de final. Os dois são filhos de marroquinos.

Dos 14 gols marcados até agora, 10 vieram de jogadores com origens estrangeiras (Marrocos, Congo, Mali, Martinica). Se há 20 ou 30 anos seus pais tivessem sido barrados e impedidos de permanecer no país, a Bélgica provavelmente nem seria o adversário do Brasil nas quartas de final. Sem esses jogadores, a equipe teria garantido uma vitória magra contra o Panamá. E mais nada.

Charles Michel, primeiro ministro da Bélgica, conhece esses nomes todos. Antes do jogo entre seu país e a Inglaterra, ele presenteou a colega Theresa May, primeira ministra do Reino Unido, com uma camiseta da equipe – curiosamente, era a 10, do meia Eden Hazard, filho de pais belgas. Quem garantiu a vitória foi Adnan Januzaj, cujos pais fugiram de uma Guerra civil no Kosovo, antes do nascimento do filho.

Se a regra dos anos 1980 e 1990 fosse a mesma adotada por Michel, no entanto, talvez nenhum belga conhecesse Lukaku, Chadli, Fellaini e companhia. Nos últimos anos, com a crise de imigração na Europa, a Bélgica endureceu a entrada deles no país. Até 2017, segundo o Aida (uma base de dados sobre exílios na Europa), o país havia aberto as portas para 13.960 refugiados – a Alemanha supera a marca dos 260 mil exílios.

“Quando as coisas corriam bem, eles me chamavam de Lukaku, o atacante belga. Quando as coisas não corriam bem, eles me chamavam de Lukaku, o atacante belga descendente de congoleses”

E pior: a Bélgica entregou refugiados a governos violentos. No ano passado, o país convidou autoridades do Sudão para reconhecer seus conterrâneos que, ilegalmente, se abrigavam nas praças de Bruxelas. Quando voltaram ao seu país natal, alguns deles foram torturados pelas autoridades.

Nem toda a população belga concorda com as políticas de Michel – muitos voluntários oferecem alimentação e hospedagem temporária aos imigrantes. Justamente por isso, o governo quer liberar a entrada de policiais em casas suspeitas de abrigá-los.

Isso não quer dizer que os belgas não tenham preconceitos. Ou que a vida dos imigrantes seja fácil. Aos 11 anos, quando jogava na base do time Lièser, Lukaku precisou responder sobre sua nacionalidade. “Eu pensei: ‘De onde eu vim? O quê? Eu nasci na Antuérpia. Eu vim da Bélgica’”, contou em seu depoimento no site Player’s Tribune.

E o preconceito por ser filho de congoleses nunca passou. “Quando as coisas corriam bem, eles me chamavam de Romelu Lukaku, o atacante belga”, relatou. “Quando as coisas não corriam bem, eles me chamavam de Romelu Lukaku, o atacante belga descendente de congoleses.”

“Eu sou sueco e visto nossa camisa com orgulho. Dane-se o racismo!”

Não é muito diferente do que aconteceu com o meia sueco Jimmy Durmaz, que tem ascendência turca, nessa Copa do Mundo. No fim do jogo contra a Alemanha, na fase de grupos, Durmaz cometeu falta perto da área. A Alemanha aproveitou e marcou o gol da vitória. Não deu outra: suecos raivosos insultaram o jogador pelas redes sociais.

“Ser criticado é algo com o qual vivemos, mas ser chamado de homem-bomba e receber ameaças de assassinato para mim e meus filhos é totalmente inaceitável. Eu sou sueco e visto nossa camisa com orgulho. Dane-se o racismo!”, escreveu em sua conta do Instagram.

“Quando jogo bem sou francês, quando jogo mal sou um árabe maldito”

Benzema, atacante francês de origem argelina, passou pela mesma situação. “Quando jogo bem sou francês, quando jogo mal sou um árabe maldito”, contou certa vez. Convocado para a Copa do Mundo de 2014, Benzema era o único jogador a não cantar o hino do país.

A França, aliás, tem no elenco uma lista grande de jogadores como Benzema ou Lukaku. A começar pelos craques do time: o pai de Kylian Mbappé, que marcou dois gols no último jogo, é camaronês, sua mãe é argelina. A família de Paul Pogba é da Guinea. Outros oito jogadores têm origens africanas.

Só não é grande a lista de imigrantes recebidos recentemente no país. Até 2017, entre as 100 mil solicitações de exílio, a França recebeu só 24 mil deles – a taxa de rejeição é das mais altas na Europa: 72%.

Ainda que tenha aceitado receber parte dos 629 imigrantes resgatados pelo navio Aquarius, da ONG Méditerránee, o presidente Emmanuel Macron aprovou neste ano lei mais rígidas aos imigrantes. Agora, imigrantes com pedido de exílio negado passam ainda mais tempo detidos até serem deportados – e eles têm 30 dias a menos para recorrer. Além disso, quem entrar ilegalmente na França corre o risco de passar um ano na cadeia.

Pior mesmo só a Inglaterra. Com o time mais negro de sua história – são 11 na equipe, descendentes de países africanos ou caribenhos -, o país se fechou de vez para imigrantes. Abandonou a União Europeia e, em junho, deportou ilegalmente alguns deles.

Os países da Europa tentam se esquivar a todo custo de novos refugiados. Mas a ironia do futebol faz com que vibrem justamente com filhos de imigrantes.

 

 

Por Carol Castro

Fonte: Carta Capital