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Copa do Mundo começa com relação fria entre brasileiros e seleção

Na tentativa de superar a terra arrasada do 7 x 1, jogadores chegam à Rússia distantes da população, que mostra desânimo com Mundial

A CBF não organizou sequer um treino aberto antes de partir para a Europa | Foto por Lucas Figueiredo / CBF

Em meio à greve dos caminhoneiros, os jogadores da seleção brasileira embarcaram em um luxuoso avião fretado rumo à Europa para completar sua preparação para a Copa do Mundo da Rússia, que começa nesta quinta-feira 14.

Repórteres no Galeão garantiam à população que os jogadores não sofreriam com debastecimento, pois o aeroporto carioca tem dutos ligados à Refinaria de Duque de Caxias. Contornado pela seleção, o problema ficou restrito aos torcedores.

Jogadores brasileiros raramente comentam sobre a realidade política do País, e atletas consagrados no futebol europeu parecem ainda menos compromissados com o que ocorre por aqui. Blindados por fones de ouvidos e seguranças sempre a postos, o contato deles com os torcedores foi o mínimo possível até o momento.

Ao contrário da Associação de Futebol Argentino, tão atingida pelas denúncias de corrupção como a nativa, a Confederação Brasileira de Futebol não organizou sequer um treino aberto ou um amistoso para seus torcedores antes da partida para Rússia.

Ao desembarcarem no país da Copa, os jogadores deixaram o ônibus e entraram no hall do hotel sem dar atenção aos fãs que aguardavam horas para tirar um foto com os atletas. Na terça-feira 12, o Brasil chegou a realizar treinos com portões abertos em Sochi, base da seleção no país, mas por determinação da Fifa.

No primeiro contato mais próximo com torcedores desde o início da preparação para o Mundial, uma grade caiu próxima de Neymar enquanto o público tentava se aproximar. A estrela do time deu um pulo para trás e não chegou a ser atingido. O “incidente” encerrou a sessão de autógrafos.

Bem-sucedida dentro de campo em sua caminhada rumo ao Mundial, a seleção brasileira busca superar a terra arrasada do 7 x 1 enquanto mantém uma relação fria com os torcedores, que também demonstram desânimo com seus representantes. Uma pesquisa Datafolha revela que a maioria dos brasileiros afirma não ter interesse algum no Mundial.

O índice piorou bastante desde o início do ano, à época em 42%, talvez alimentado pelo caos institucional, o alto desemprego e os efeitos da paralisação dos caminhoneiros no País. Apenas 18% dos brasileiros afirmam ter muito interesse no Mundial. Há quatro anos, quando atos tomavam as ruas do País contra a Copa realizada em solo nativo, o desinteresse alegado era alto, mas bem menor do que o atual: 36% davam de ombros para o torneio.

É claro que esses sentimentos podem mudar ao longo da Copa, mas os preparativos para o Mundial, ou a falta deles, são sintomáticos. A decoração de ruas e bairros em São Paulo, por exemplo, é nitidamente mais tímida que a de outros anos. Embora seja difícil medir os motivos principais para o desânimo, a humilhante derrota para a Alemanha em casa há quatro anos certamente influencia, assim como a situação do País não inspira o patriotismo de chuteiras.

Imaginem o Brasil ser campeão e os jogadores serem obrigados a levantar a taça ao lado de Michel Temer, o presidente mais impopular do País desde o fim da ditadura? Estariam eles dispostos a desfilar, como em 1994 e 2002, em carros do corpo de Bombeiros em Brasília, em tempos de tanto desprestígio do Planalto, do Congresso, do Supremo Tribunal Federal?

É claro que uma Copa do Mundo não se resume ao Brasil. Não faltarão personagens interessantes neste Mundial, para além de estrelas como Cristiano Ronaldo, de Portugal, e Lionel Messi, da Argentina, que revezam há anos o título de melhor jogador de futebol do mundo.

Fãs do esporte no Brasil certamente estão curiosos para saber se o egípcio Mohamed Sallah, craque do Liverpool, superará sua contusão ocasionada pelo zagueiro espanhol Sérgio Ramos e liderará sua seleção em sua primeira Copa desde 1990, após tantos episódios políticos dramáticos desde os protestos na praça Tahir em 2011. No ano seguinte, o Egito foi palco de um massacre de 74 torcedores durante uma partida entre clubes locais.

Os brasileiros pouco animados com sua seleção podem encontrar conforto na empolgante equipe islandesa, um país com população semelhante à de Jundiaí (SP), que chega a sua primeira Copa após investir no futebol como política pública para jovens. Tão curiosa quanto a trajetória ascendente da Islândia no esporte é a comemoração adotada pelos atletas ao fim dos jogos, um espécie de “haka” neozelandês com inspiração viking.

Os torcedores do Corinthians e do Flamengo, clubes de maior torcida no país, terão a chance de ver o craque Paolo Guerrero em ação pelo Peru, após idas e vindas em tribunais. O jogador foi pego no antidoping por ter ingerido uma substância presente na Cocaína, mas conseguiu provar não ter usado a droga. Ele teve de recorrer à Justiça Comum para estar no Mundial.

Ao contrário de Guerrero, os grandes jogadores brasileiros tiveram passagem rápida pelo Brasil. A exceção é Neymar, que atuou no Santos por algumas temporadas antes de deixar o clube paulista rumo ao Barcelona. Pela primeira vez na história da seleção, o Brasil terá um atleta que jamais atuou profissionalmente por um clube do País. O goleiro reserva Ederson foi para Portugal com apenas 16 anos.

Apesar do desânimo com a Copa, o torcedor brasileiro acredita em bons resultados. Segundo o Datafolha, 48% consideram o Brasil favorito e 64% aprovam o trabalho de Tite à frente da equipe. O ufanismo pré-copa já foi maior: em 2014, sete em cada dez brasileiros confiavam no hexacampeonato.

Depois da humilhante derrota em 2014, é natural que o brasileiro tenha menos confiança no time. Os bons resultados anteriores ao Mundial são inquestionáveis, mas treino é treino, jogo é jogo, e Copa é Copa. Remanescentes do “Mineiraço” de quatro anos atrás ainda carregam o fantasma daquele Mundial. “É uma coisa que me assombra muito”, afirmou o voltante Fernandinho em uma reportagem recente da TV Globo.

Assombra todos os brasileiros. A goleada tornou-se metáfora para as derrotas do Brasil fora de campo nos últimos anos. A Copa marcada pela goleada foi sucedida por crise econômica, impeachment, desemprego em alta, crise institucional, polarização política, propagação de discursos de ódio e inúmeros escândalos de corrupção, inclusive na CBF. No interim, o acidente aéreo da Chapeconse, a maior tragédia da história do esporte nacional. Virou lugar comum afirmar: “todo dia é um 7 x 1 diferente”.

Uma boa participação do Brasil na Copa não expurgará os demônios de quatro anos atrás, tampouco solucionará o impasse político e econômico, até por se tratar apenas de um torneio de futebol. Por outro lado, torcer contra também não vai mudar o rumo do País ou resgatar os brasileiros da suposta alienação política reforçada pelo esporte bretão.

Há quem não aceite torcer por uma camisa canarinho tão associada aos protestos contra Dilma Rousseff em 2015, ou à corrupção dos cartolas que a representam. Muitos lembram do dilema dos opositores à ditadura em apoiar a seleção vitoriosa de 1970. Nem sempre quem diz que vai torcer contra consegue, porém, cumprir a promessa.

Uma cena do excelente filme O ano em que meus Pais saíram de Férias, de Cao Hamburguer, é ilustrativa. O personagem Ítalo, interpretado por Caio Blat, anuncia que vai torcer pela Tchecolosváquia na estreia do Brasil no Mundial de 1970. “Será um vitória do socialismo”, diz. Ele chega a comemorar o primeiro gol da seleção europeia, mas acaba celebrando a vitória da seleção por 4 x 1 ao lado dos conterrâneos.

 

Por Miguel Martins

Fonte: Carta Capital