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Como vota, Senador?

Por Guilherme Boulos

O Senado Federal já iniciou a seção que votará a admissibilidade do impeachment da presidenta Dilma. As cartas parecem estar marcadas e apenas algum abalo sísmico pode ser capaz de reverter – pelas vias parlamentares – o golpe institucional em curso.

A votação de hoje diferirá do espetáculo de 17 de abril apenas pelo tom. Mais solene e aristocrática, mas não menos hipócrita.

Dentre os senadores que nos brindarão com discursos em nome da moralidade pública, muitos colecionam histórias mal contadas e indiciamentos por corrupção. Em suas vidas pregressas e presentes não há muito que os autorize a posar de vestais.

Tomando apenas alguns dos mais aguerridos defensores do impeachment, vejamos – a título de sugestão – o que poderiam incluir em suas declarações de voto.

Como vota, Senador Cássio Cunha Lima?

“Pelo direito à compra de votos, que levou à injusta cassação de meu mandato em 2008. Por meu salário de R$52 mil, acima do teto constitucional. À espera da prescrição do processo infame de lavagem de dinheiro contra minha pessoa, voto sim!”

Cássio Cunha Lima (PSDB/PB) foi cassado pelo TSE do cargo de governador da Paraíba, acumula salários e é investigado no STF pelo crime de lavagem de dinheiro.

Como vota, Senador Ronaldo Caiado?

“Pelo fim da fiscalização de trabalho escravo nas fazendas da minha família. Contra as absurdas acusações de que minhas campanhas foram financiadas ilicitamente por Carlinhos Cachoeira, a quem eu sequer conheço, voto sim!”

Fazendas da família Caiado (DEM/GO) foram incluídas na “lista suja” do trabalho escravo e o senador foi acusado por seu ex-companheiro de partido Demóstenes Torres de ter recebido dinheiro do bicheiro nas campanhas de 2002, 2006 e 2010.

Como vota, Senador Zezé Perrella?

“Pelo judiciário, pela imprensa, que tiveram o discernimento de compreender que, apesar do helicóptero ser meu, a cocaína era do piloto, voto sim!”

O senador Perrella (PTB/MG) é o dono do helicóptero encontrado com 445 quilos de cocaína, em uma fazenda no Espírito Santo. O piloto foi preso e depois liberado. O helicóptero foi apreendido e depois devolvido à família do senador.

Como vota, Senador Agripino Maia?

“Pelo arquivamento da acusação ‘absurda, descabida e inverídica’ de que recebi propina da OAS na construção da Arena das Dunas. Pela inspeção veicular do Rio Grande do Norte, voto sim!”

Agripino (DEM/RN) é investigado pela Procuradoria Geral da República por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso da Arena das Dunas e pela propina de R$1 milhão na implantação da inspeção de veículos do Detran em seu estado.

Como vota, Senador Aécio Neves?

“Por Furnas. Pelo aeroporto do meu tio. Pelo direito de ir de Minas a Ipanema com aeronave oficial. E apesar do grave fato de não ser eu quem assume, voto sim!”

Com votos de parlamentares sob suspeita – como foi na Câmara, em meio a uma crise de representatividade que anuncia a falência da Nova República e sem a caracterização efetiva de crime de responsabilidade da presidente, o Senado poderá consumar hoje um golpe institucional no país.

Nem todo o verniz de hipocrisia que regerá as declarações de voto serão suficientes para ocultar este fato. Trata-se de um Congresso desacreditado, com muitos de seus membros no banco dos réus, buscando eleger por via indireta um novo presidente da República.

Difícil encontrar alguém que ainda acredite na fábula de que isso pacificará o país.

 

Fonte: Coluna do Guilherme na Folha de São Paulo (11 de maio de 2016)