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Boulos: O que é o VAMOS?

Fonte: CartaCapital

Por Guilherme Boulos

A plataforma vai elaborar, de forma democrática, um projeto para o Brasil

O Brasil está afundado numa de suas maiores crises. Uma crise econômica profunda, na qual os remédios da austeridade levaram o País à UTI, sem sinais de melhora. E também uma crise de representação política, com o Congresso desmoralizado, um governo ilegítimo e, sobretudo, um sistema falido e sem credibilidade.

No meio da confusão, o Judiciário ocupa o vácuo de poder e disputa o papel de salvador com excrescências como Jair Bolsonaro. O nível de regressão social e dos direitos é inédito, sem que a reação popular esteja à altura para bloqueá-lo.

Até mesmo as limitadas conquistas democráticas dos últimos 30 anos estão em xeque. Num cenário como este é preciso debater os rumos a tomar.

Por isso, a Frente Povo Sem Medo acaba de lançar a plataforma VAMOS, um ciclo de debates para discutir um projeto para o Brasil. A ideia é realizar uma discussão ampla, nas redes e nas praças, que contemple a diversidade de representações e de posicionamentos políticos.

Todos poderão apresentar propostas pela plataforma colaborativa e participar dos debates públicos que ocorrerão em ao menos sete capitais do Nordeste, Sul, Norte e Sudeste. A discussão será organizada a partir de cinco eixos, pautados pelo desafio de aprofundar a democracia como saída para a crise.

Serão os seguintes: democratização da economia; da política e do poder; da cultura e das comunicações; dos territórios e meio ambiente; e um programa negro, feminista e LGBT, buscando destacar a importância destas agendas para se chegar a um projeto popular. O primeiro debate está marcado para 26 de agosto, em São Paulo.

A Frente Povo Sem Medo convidou, além de movimentos sociais, lideranças políticas e intelectuais para participar das discussões. Uma iniciativa como esta, em momento de tanta incerteza de rumos, deveria ser vista com naturalidade pelo conjunto da esquerda brasileira.

Gerou, no entanto, certas dúvidas e ruídos. Seria a formação de um novo partido? Uma iniciativa anti-Lula? Cabem esclarecimentos. Primeiro, é interessante notar que há poucos meses a Frente Brasil Popular lançou um programa emergencial para o País, iniciativa legítima e importante.

Não vimos, porém, ninguém insinuar que se tratava da formação de um novo partido. Recentemente foi lançado ainda o Projeto Brasil Nação, que tinha à frente o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira e a jornalista Eleonora de Lucena.

O PT organiza neste momento um debate programático, que contará também com ferramentas virtuais. O PSOL, por meio da Fundação Lauro Campos, faz o mesmo. Debater é necessário.

Talvez o que tenha causado algum desconforto é o fato de esta iniciativa envolver gente de diferentes partidos progressistas nem sempre habituados a conversar entre si. Isso, entretanto, deveria ser visto com bons olhos: que a esquerda estabeleça pontes de diálogo e seja capaz de superar sectarismos é algo necessário numa conjuntura tão difícil.

Não significa abrir mão de posições nem de críticas. Não se discute neste momento a formação de um novo partido, mas o acúmulo de debates programáticos. Até porque a formação de algo efetivamente novo não depende apenas da vontade de dirigentes políticos, mas essencialmente de um caldo de mobilização social.

Em relação a Lula, a enorme maioria dos movimentos e ativistas que participam da iniciativa do VAMOS rechaça a perseguição judicial contra ele e defende seu direito de ser candidato a presidente da República.

Eleição não pode ser decidida no tapetão. Nós, particularmente no MTST, temos profundo respeito pelo ex-presidente e por sua trajetória. É inegavelmente a maior liderança social deste País. Mas isso não significa que não possamos divergir em pontos importantes, divergências expressadas publicamente em várias ocasiões.

Reconhecer o papel histórico de Lula e defendê-lo de uma perseguição atroz da direita não é o mesmo que se abster de criticar seus posicionamentos. Quem enxerga contradição e se apressa em tachar ideias distintas como “anti-Lula” presta um desserviço ao debate da esquerda.

É preciso compreender que a esquerda também passa por uma crise e deve desafiar-se a redefinir seus caminhos. Para tanto, nada melhor do que um debate aberto em torno de um projeto que valorize a participação de todos e todas.

Uma discussão sintonizada com o trabalho de base dos movimentos das periferias, com ativismos de redes e ruas, que seja capaz de reencontrar um fio de esperança.

A discussão a respeito dos rumos do Brasil não pode ser pautada apenas pela agenda eleitoral. É evidente que as eleições de 2018 serão um momento relevante para o debate político, na tentativa de barrar os retrocessos em curso.

Mas precisamos pensar em um projeto de longa duração. Quem achava que ganhar nas urnas resolvia tudo deve aprender a dura lição do golpe.

Sem ampliar a mobilização popular e construir uma massa crítica pela esquerda não há saída. É este processo que a Frente Povo Sem Medo tenta impulsionar, de forma ampla e sem sectarismos.