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Massacres, bombas e prisões

Fonte: Carta Capital

Por Guilherme Boulos

É engano acreditar que a repressão vai estancar a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado, a próxima explosão

O Brasil assiste, nos últimos dias, ao agravamento de um conflito social. Sem rumo e com rejeição superior a 90%, o governo Temer aposta na repressão para lidar com a crescente insatisfação das ruas. Com isso se fortalece um clima de violência institucional, que eleva a temperatura dos conflitos não somente nas manifestações políticas, mas nos rincões e nas favelas, onde a presença repressiva do Estado sempre foi a regra.

No Rio de Janeiro, a falência explícita das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) expõe que a política de “guerra às drogas” se traduz numa sanguinária guerra aos pobres. O exemplo em carne viva é o Complexo do Alemão, onde o número de mortos pelos “confrontos” dos últimos dias levou às ruas a revolta dos moradores, mesmo com dura repressão.

Além das várias mortes pela PM, a UPP chefiada pelo major Leonardo Zuma é acusada de invadir e roubar casas de moradores, tudo com o argumento de instalar uma torre blindada, batizada pela comunidade como “torre da vergonha”. Em Brasília avança a austeridade, no Alemão, o Caveirão.

Distante da cidade, mas com igual violência, nove agricultores foram assassinados num assentamento na região de Colniza, em Mato Grosso. O massacre, a mando de fazendeiros locais, deu-se com intensa crueldade.

Dias antes, em 17 de abril, a Comissão Pastoral da Terra havia divulgado o anuário da violência no campo, constatando que o número de assassinatos em conflitos no último ano foi o maior desde 2003. O avanço conservador, respaldado num governo golpista, reforça o sentimento de salvo-conduto para matar.

Para matar e mutilar. No domingo 30, uma terra retomada pelos índios Gamela, no Maranhão, foi palco de uma barbárie indescritível. A mando de fazendeiros, jagunços feriram 13 indígenas. Dois deles tiveram as mãos decepadas e outros dois sofreram tentativa de esquartejamento, segundo os relatos. No mesmo dia, o deputado Aluísio Guimarães Mendes, do PTN, havia chamado os Gamela de “pseudoindígenas”, questionando sua permanência naquela terra.

De volta ao asfalto, não há como deixar de mencionar a violência policial contra manifestações da greve geral da sexta-feira 28. Em São Paulo e no Rio de Janeiro, atos públicos que reuniram multidões terminaram com bombas e pancada. Em Goiânia, o estudante Mateus Ferreira continua internado após levar uma paulada de um capitão da PM de forma totalmente despropositada, como mostram as imagens.

Nesse contexto de crescimento da violência, o Judiciário tem papel protagonista. O caso de Rafael Braga, condenado no fim de abril a 11 anos de prisão, é emblemático: preto e pobre, representa por si só o estereótipo do inimigo público do Estado brasileiro. Preso durante as manifestações de 2013, Rafael é uma vítima do racismo e do elitismo penais.

Assim como a maioria do povo, não foi às ruas contra o aumento de passagem nem contra a corrupção. Acusado de carregar um “coquetel molotov”, Rafael afirma nem saber o que é um. Portava um desinfetante ao ser detido. Sua prisão também não é exceção bizarra.

Ele faz parte do perfil majoritário da população carcerária do País. Não fosse o contexto de sua prisão – e a consequente repercussão –, Rafael seria mais um entre os milhares de anônimos esquecidos nas masmorras desumanas que, como afirmou Mano Brown, “guardam o que o sistema não quis”. 

Para as masmorras também foram enviados Ricardo, Juraci e Luciano. Presos em São Paulo no último dia 28, durante os atos da greve geral, os militantes do MTST são acusados de “incêndio”, “explosão” e “incitação ao crime”. Não há provas contra eles. Negros e pobres, ousaram desafiar o Estado e sair da periferia para as principais avenidas da cidade contra as reformas que lhes ameaçam a vida. Esse foi seu crime, inaceitável para a casa-grande.

A juíza que lhes negou a liberdade, Marcela Filus, apelou para a garantia da “ordem pública” como motivo fundamental. Argumento típico de ditaduras e regimes de exceção para manter presos os opositores.

A falta de isenção da magistrada revelou-se ainda com publicações de apoio a manifestações do “Vem pra Rua” e MBL, disponíveis em seu perfil em uma rede social. Lamentavelmente, isso está longe de ser um caso isolado no Judiciário.

Escalada da violência contra os pobres no Rio de Janeiro, massacres contra camponeses e indígenas, violência policial desmedida nas manifestações e prisões políticas sustentadas pelo Judiciário, eis o retrato do agravamento da crise social brasileira. É ledo engano crer, no entanto, que a repressão vai estancar a luta social. Normalmente, ela anuncia, como um gesto desesperado, a próxima explosão. 

Foto destaque: Tomaz Silva/Agência Brasil