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‘O Brasil tem de saber quem financia essa rede criminosa de fake news’

Guilherme Boulos rebate as acusações de grupos reacionários, que tentaram responsabilizar o MTST pela tragédia

Boulos: ‘O MTST não tem atuação de ocupação de prédios no centro de São Paulo’

Após o desabamento de um prédio de 24 andares no centro de São Paulo, ocupado por movimentos de moradia da região, as redes sociais foram tomadas por notícias falsas sobre Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e pré-candidato à Presidência pelo PSOL.

Nas redes sociais, diversos grupos passaram a responsabilizar o MTST e Boulos pela tragédia. De carona no gancho de denúncias da mídia sobre cobrança de “aluguéis” e práticas de extorsão no prédio que desabou, difundiu-se um meme com a foto de Boulos e os dizeres: “Não existe almoço grátis. Nem moradia. O aluguel é R$ 400”. Na mesma publicação, é divulgada uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo, segundo a qual organizações de sem-teto cobram taxas de moradores em prédios ocupados.

A “fake news” não tardou a ser exposta. O MTST de Boulos não ocupa nenhum prédio no Centro de São Paulo. O movimento costuma montar acampamentos em terrenos e imóveis desocupados nas periferias das grandes cidades. As reportagens sobre tais práticas referem-se a outros movimentos de luta por moradia, a exemplo do Movimento Sem Teto de São Paulo (MSTS), que atua no centro da capital paulista.

Em entrevista aCartaCapital, Boulos afirma que o MTST não faz qualquer tipo de cobrança dos trabalhadores e trabalhadoras sem teto e critica movimentos como o MBL por divulgarem informações falsas. “Está na hora do Brasil saber quem financia essa rede criminosa de fake news.

CartaCapital: Na sua avaliação, quem são os responsáveis sobre essa tragédia?
Guilherme Boulos: É preciso ter uma apuração sobre as causas do incêndio e o que aconteceu especificamente na noite da tragédia. Agora, se há alguma responsabilidade política, é uma responsabilidade do poder público de não ter oferecido alternativa habitacional para as famílias.

Ninguém vai para uma ocupação porque quer. Vai por completa falta de alternativa. É um dilema que milhões de brasileiros vivem no fim do mês, de decidir entre pagar aluguel ou botar comida na mesa.

O que não é aceitável é a tentativa de responsabilizar as vítimas. Culpabilizar os sem-teto, ou o movimento que coordenava aquela ocupação pela tragédia. Isso é uma perversidade e um cinismo sem tamanho.

CC: O ex-prefeito João Doria chegou a dizer que o prédio era controlado por uma facção criminosa. Como você qualifica esse tipo de declaração?
GB: É uma declaração leviana, que parte da imprensa tentou reverberar, de criminalizar o movimento social. Se aproveitar de uma tragédia para criminalizar aqueles que lutam por moradia não é admissível. Se há uma facção criminosa operando hoje, ela está dentro do Estado brasileiro. Há uma facção criminosa em Brasília. O direito de moradia das pessoas precisa ser respeitado.

CC: O MTST tem algum prédio ocupado no centro de São Paulo?
GB: Não. O MTST não tem uma atuação no centro.

O MTST está mais focado na ocupação de terrenos, ou em periferias e bairros que não estão exatamente nas regiões centrais. É importante esclarecer, porque foram feitas associações indevidas. Aquela ocupação não era organizada pelo MTST.

CC: Existe alguma razão para o MTST ter esse foco na periferia?
GB: Foi a forma como o movimento se constituiu desde a sua origem. Tem um conjunto de movimentos que atuam no centro, que fazem ocupação de prédio, uma luta importante. Até porque é preciso enfrentar a ideia de que pobre não pode morar nas regiões centrais.

Temos um cenário chocante da desigualdade de moradia no país. Hoje há 6,2 milhões de famílias sem casa. É o déficit habitacional, de acordo com o IBGE. Ao mesmo tempo, temos mais de 7 milhões de imóveis vazios, abandonados. Tem mais casa sem gente do que gente sem casa.

É um escárnio. Revela a gravidade do problema habitacional e a ausência de uma política pública que poderia evitar tragédias como essas. O que defendemos é precisamente que esses imóveis que estão ociosos, sem cumprir função social, e portanto desrespeitando a própria constituição, sejam desapropriados ou então, no caso de já serem públicos, reapropriados para moradia popular.

Se isso tivesse sido feito naquela ocupação — que, aliás, era acompanhada pelo poder público, teve um cadastro lá três meses antes — provavelmente as condições que levaram à tragédia não estariam postas. O prédio teria sido reformado, a sua estrutura estaria em melhores condições, o que talvez evitasse a propagação do incêndio.

CC: Outra polêmica que se levantou foi sobre a cobrança de mensalidades de integrantes das ocupações. O MTST faz cobrança de mensalidades?

O MTST não faz qualquer tipo de cobrança dos trabalhadores e trabalhadoras sem teto que fazem parte das nossas ocupações. Não achamos que esse método seja adequado. Acho que precisa se apurar, efetivamente, para saber se de fato existia cobranças indevidas.

Agora, é preciso separar o joio do trigo. Se existe oportunismo no movimento social, não se pode fazer uma generalização e dizer que todos eles são oportunistas. Aliás, seguramente existe muito mais oportunista por metro quadrado no Congresso do que no movimento de moradia do Brasil.

CC: Movimentos conservadores já usaram isso para atacar o MTST.
GB: O que nós temos visto é uma lamentável propagação de fake news. Movimentos como o MBL são difusores de mentiras. Não apenas eles, o próprio Eduardo Bolsonaro fez a mesma coisa. Serão acionados judicialmente.

Está na hora do Brasil saber quem financia essa rede criminosa de fake news. Quem é que banca o MBL e aqueles que têm, sem o menor pudor, propagado notícias falsas por má-fé, gerando desinformação no público.

CC: O MTST vai acionar judicialmente algum desses movimentos conservadores?
GB: Estamos fazendo um levantamento jurídico, inclusive pedimos prints pela internet de vários comentários, e vamos acionar juridicamente todos aqueles que foram geradores de fake news nesse episódio.

Vimos isso há pouco mais de um mês no desdobramento do assassinato da Marielle Franco, quando logo após o assassinato dela começaram a circular notícias falsas, criminosas, tentando desmoralizar a Marielle e a sua memória. Esse procedimento de inventar mentiras para fazer desmoralização política, próprio do nazismo, já passou de qualquer limite e precisa ser enfrentado judicialmente.

Esperamos que o Ministério Público tenha iniciativa e celeridade para investigar quem financia essa rede criminosa de fake news.

CC: Alguns dos desabrigados relataram que a prefeitura ofereceu vagas em abrigos municipais. É uma solução adequada?
GB: Albergue não é alternativa habitacional. O adequado seria assegurar uma solução imediata como auxílio-aluguel, um programa que existe, seja da prefeitura ou do governo do estado. Isso deve estar atrelado, porém, a um atendimento de moradia definitiva. Não adianta você conseguir aluguel por um ano e depois jogar essas pessoas de volta na rua.

É preciso ter uma solução emergencial para que as pessoas possam ficar em um lugar digno, e tem de ter um compromisso firmado do poder público de construção habitacional para essas famílias. Inclusive, que seja também na região central.

 

Por Rodrigo Martins

Fonte: CartaCapital