Cultura sem ‘gestão’: o retrocesso acelera na São Paulo de João Dória
Fonte: Mídia Ninja
Fotos: Tuane Fernandes/Mídia NINJA
Quando André Sturm foi anunciado como secretário municipal da cultura de São Paulo, ainda em novembro do ano passado, não foram poucos os setores da classe artística paulistana a demonstrarem certo alívio.
Seu histórico a frente de equipamentos culturais como MIS-SP e sua passagem como coordenador de fomento e difusão da própria secretaria entre 2007 e 2011 pareciam dados positivos diante a possibilidade da indicação para o cargo de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, como se especulava na imprensa à época.
Para além de sua experiência comprovada na área, matérias na ocasião sublinhavam o ótimo trânsito do então novo secretário entre agentes da cultura de visões ideológicas distintas e ligados a partidos e grupos que fariam parte dos movimentos de oposição ao prefeito João Dória. O próprio Juca Ferreira, ex-ministro e secretário na gestão de Fernando Haddad, integrava o coro, e já destacara em outros tempos o bom trato e a inteligência de Sturm.
No entanto, quatro meses após o início da gestão, qualquer otimismo que pudesse ter gerado sua indicação parece ter ido por terra abaixo.
Em vários episódios decisivos a postura do secretario de Cultura foi risível e beirou a omissão diante sua responsabilidade como representante do poder público no setor.
No debate sobre o grafite, na discussão sobre o formato da Virada Cultural, no contingenciamento escandaloso de quase metade do orçamento da pasta para 2017, na medida que cancelou a parceira da secretaria de cultura com os CEUs e que deixou de atender assim mais de quatro mil jovens da periferia paulistana com os Programas de Iniciação Artística (PIA) e Vocacional, ou recentemente na reversão da medida que garantia o funcionamento 24 horas da biblioteca Mario de Andrade no centro da cidade, André Sturm foi incapaz de se posicionar de maneira clara e contundente na defesa das políticas de cultura para a cidade.
Em sua última entrevista para o jornal Estado de São Paulo (18/04/2017) se destaca a frase de um secretário nitidamente constrangido e imobilizado pelo poder e popularidade do prefeito João Dória: “O prefeito é o prefeito, eu sou eu”. A frase, no contexto da entrevista, é um confissão tão evidente da sua incapacidade de agir que nos faz perguntar se André Sturm será o próximo a cumprir o papel lamentável que fez a secretária da assistência social, Soninha Francine, em vídeo que circulou recentemente nas redes sociais, no qual era demitida pelo atual prefeito.
O fato é que São Paulo é a cidade mais plural e multifacetada da América Latina.
Um epicentro da cultura brasileira não só pela sua pungente produção local como por receber migrações de artistas de todo Brasil e do mundo. O caldo de cultura da cidade hoje é o que melhor representa o cenário contemporâneo da nossa produção artística.
A falta de um planejamento de médio ou longo prazo, de indicações sobre políticas de distribuição do orçamento de forma equânime entre as regiões da cidade, além da insegurança sobre a manutenção de editais democráticos e transparentes assinalam que a cultura perdeu relevância e força no âmbito municipal. Não contar com um poder público atuante e com inteligência estratégica para o setor é uma perda, inclusive, de milhões de reais, para falarmos na língua que João Dória costuma dialogar melhor.
De certa forma a atuação de André Sturm parece atender assim ao interesse do prefeito que demonstra insistentemente sua visão equivocada, elitista (sendo assim o mais provinciano possível) e totalmente alheia ao que a cultura pode representar como capital simbólico e econômico para uma grande cidade. E que enxerga os produtores culturais somente como potenciais agentes de oposição de seus ambiciosos projetos políticos.
A discussão inicial sobre o perfil de Sturm, que parecia ser um gestor com tendência para pesar sua mão numa política cultural com foco no entretenimento, chega a parecer menor diante o quadro atual.
A pasta está hoje a mercê de sobras orçamentárias que, na prática, sustentam somente o operacional e seus gastos com pessoal.
O que temos em São Paulo é uma política equivocada, ultrapassada e que é ainda legitimada, nesse momento, por um secretário que conhece bem esse debate e sabe exatamente a diferença que políticas públicas fortes podem fazer para a transformação social, econômica e política da cidade.
O retrocesso acelera.