Chico Mendes, a história se repete
Fonte: Mídia Ninja
Por Sérgio de Carvalho e Ramon Aquim | Saci em Movimento
Na madrugada de sexta para sábado, 24, um incêndio criminoso destruiu a pequena casa da família de Francisco Rosa, o “Fio”, no seringal São Pedro, a duas horas de Xapuri-AC. O seringueiro vive no local com a esposa e os cinco filhos. As chamas consumiram tudo. Os criminosos aproveitaram que a família estava visitando uma colocação vizinha e atearam fogo.
A família vive no local há mais de 40 anos, na tarde desta terça-feira, 28, acompanhados do Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri Assis Monteiro, eles voltaram no local na esperança de encontrar qualquer coisa. Um objeto, um pouco da história de suas vidas. Porém, só encontraram cinzas e destroços. Até as panelas e copos de vidro derreteram.
“Só eu sei o que estou sentindo. Criei todos os meus filhos tirando leite de seringa aqui neste local. Muita maldade eles virem aqui e fazer isso. Era tudo que a gente tinha. Não foi a primeira vez que eles ameaçaram. No começo do ano, os peões da fazenda estiveram aqui e disseram que iam derrubar a casa se a gente não saísse. Agora, botaram fogo.” Indignou-se dona Maria Joana, mãe de Fio.
O presidente do sindicato Assis Monteiro, que acompanha toda a situação, está preocupado, pois o clima de insegurança e tensão que precedeu o assassinato de Chico Mendes parece estar de volta. “São centenas de famílias de posseiros que estão em situação de risco de expulsão. Elas não foram incorporadas na Reserva Chico Mendes e os fazendeiros estão entrando com pedidos de reintegração de posse e ameaçando os seringueiros. Na época do Chico, era exatamente assim que os fazendeiros agiam: incendiavam as casas dos seringueiros para intimidá-los e ficar com suas terras.”
O advogado Gomercindo Rodrigues, que acompanha a situação de conflito na região e foi companheiro de luta de Chico Mendes alerta: “Eu entendo que a situação é muito delicada e que os fatos precisam de apuração imediata, de forma a punir os culpados pela violência que se avoluma nas florestas de Xapuri. O que está ocorrendo na região é uma afronta aos ideais de Chico Mendes e coloca em risco centenas de pessoas. Os posseiros não se sentem seguros e garantidos, embora vivam nas suas colocações e colônias há décadas. Os fazendeiros voltaram à postura anterior ao assassinato de Chico Mendes, em que, não raro, usando o Judiciário, procuram legitimar situações ilegítimas, como no caso dos seringais Lua Cheia e São Pedro, na parte que ficou fora da desapropriação para a Reserva Extrativista Chico Mendes, que foram “incorporados” à Fazenda Vista Alegre por decisão judicial, em uma “Ação de Retificação de Registro Imobiliário” na qual não foram partes os posseiros da área. O pior de tudo é que o Juiz que proferiu a decisão que deferiu essa “incorporação”, com ampliação de área da fazenda uma “oficialização da grilagem”, após aposentar-se tornou-se, por algum tempo, advogado do fazendeiro, praticando atos como tal e advogando em causas que envolviam posses e posseiros. “Essa situação de insegurança e de injustiça agride a todos nós e violenta os direitos dos seringueiros. É preciso dar um basta nisso, já!”
Mais de 500 famílias que vivem na área do conflito, ou seja, nas terras que margeiam a Reserva Extrativista Chico Mendes, estão em risco direta e indiretamente frente as ações judiciais e ameaças dos latifundiários. No seringal São Pedro, onde ocorreu o incêndio, pelo menos quatro outras famílias estão ameaçadas. Posseiros que vivem há décadas naquela região, que na década de 70 e 80 lutaram pela floresta em pé ao lado de Chico Mendes, estão vendo a história se repetir.
O Deputado Federal Léo de Brito, que esteve em Xapuri participando de uma reunião com o sindicato e os posseiros vítimas da ação criminosa, ressalta: “Esses conflitos estão na Justiça, e ela deve decidir sobre eles, mas a gente vê uma escalada de violência. Como vimos na última semana, em que a casa de um seringueiro foi queimada e o principal suspeito é exatamente o fazendeiro que está disputando essas terras. Nós não queremos uma nova escalada de violência como aconteceu nas décadas de 70 e 80, sobretudo na região de Xapuri”